Em uma iniciativa inédita na trajetória do CAU/SP, o mês de novembro foi dedicado a uma série de ações para fomentar a reflexão sobre a diversidade, a contribuição da população negra para a formação das cidades e a arquitetura afrobrasileira.
As ações do “Mês da Consciência Negra” foram descentralizadas, alcançando Araçatuba, Campinas, Mogi das Cruzes, Presidente Prudente, São Paulo e Sorocaba.
A capital paulista foi a sede do evento principal, com a realização do “1° Seminário Vozes Negras na Arquitetura e Urbanismo” no dia 29, reunindo pesquisadores e ativistas, e com apresentação da presidente Camila Moreno de Camargo, e da conselheira Melyssa Maila, coordenadora da Comissão de Políticas Afirmativas (CPAF-CAU/SP).
Esta ação incluiu ainda uma caminhada pelo Centro Histórico da capital, no dia 30, com o coletivo “Cartografia Negra”, dedicado a estimular, problematizar e construir noções de território, memória e história na cidade de São Paulo.
O “Mês da Consciência Negra” foi uma iniciativa da CPAF-CAU/SP, em seu primeiro ano como comissão ordinária do Conselho, isto é, integrante do Conselho Diretor desta autarquia.
Veja abaixo algumas das principais intervenções dos palestrantes convidados para o 1º Seminário Vozes Negras:
Jô Pereira, consultora de equidade racial e de gênero na Educação, Arte, Cultura e Mobilidade Urbana:
“Quando nós pensamos em dificuldades de mobilidade, quando nós pensamos em racismo ambiental, quais são as pessoas que estão (…) neste pensamento? Nós não pensamos nas pessoas que moram em Perdizes. (…) Perdizes alaga também, mas as pessoas ficam desabrigadas? Não, de forma alguma. Agora, quando isso acontece lá no Jardim Pantanal (…) essas pessoas muitas vezes não têm nenhuma possibilidade, nenhuma perspectiva de sair daquela situação”.
(…)
“O que é esse racismo ambiental de que agora se fala [tanto], quase como se fosse algo novo? Não tem nada de novo, ‘nadíssima’ de novo. Pensar em racismo ambiental é pensar quais populações que sofrem isso. Que não têm saneamento básico, que têm um acesso ínfimo à água”.
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Gabriela Alves, cientista e urbanista social:
“Quando nós olhamos as famílias que estão na maior parte nas periferias, e que são negras, elas estão sistematicamente, de novo, na maior vulnerabilidade ambiental porque [a casa] está à beira de um córrego, a casa dela pode deslizar (…) falar de mudanças climáticas é falar de classe e raça no Brasil. A população que hoje passa por isso, que está pagando a conta primeiro, é uma população preta e parda, e também racializada”.
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Ricardo Neres Machado, Diretor Geral da Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo):
“Qual é a situação do jovem negro que está se deslocando pela cidade de São Paulo nos dias atuais, em tempo de ‘Ifood’, de ‘Uber’, de tudo ser muito urgente (…)? Qual é a realidade desta juventude? Fazemos a ligação com o debate que interessa a toda a classe trabalhadora, a toda sociedade, que é o debate do 6 x 1, porque também passa pela questão de deslocamento e pela questão do racismo ambiental. (…)”.
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Eunice Queiroz, Mestre na área de Arquitetura e Urbanismo (UFBA) sobre cultura africana
“Eu tenho um sonho de que a lei 10.639 [que tornar obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas] (…) que ela seja implantada. (…) Ela é de 2003, e não foi efetivada até hoje. E eu tenho um sonho de que todos esses trabalhos muito bons que eu vejo que eles vão para a sala de aula, e que os nossos ‘pretinhos’, as nossas ‘pretinhas’, não importa o tom de pele, eles entendam a competência que é a nossa cultura base, que foi a nossa ancestralidade”.
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Andrea Mendes, Mestre em Relações Étnico-Raciais CEFET/RJ:
“Reafirmando Abdias [do Nascimento]: o quilombismo, que é o que nós defendemos, apresenta e dialoga com o conceito de espaço onde tudo é transformado quando se é encarado como um circuito de comunicação geral. O quilombo capacita as populações para conversarem, interagirem e sincronizarem significativos elementos de suas vidas, culturas e meios sociais. (…) queria convocar vocês para um bem-viver numa perspectiva quilombola, bebendo da fonte do quilombismo”.
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Joana D’Arc de Oliveira, Docente no Departamento de História e Estética do Projeto na FAU/USP:
“Diante de todo esse tempo trabalhando com estas pesquisas, eu venho percebendo, e confirmando cada vez mais, que cada casa e quintal em que eu faço o registro, o inventário, o mapeamento, trata-se, sim, de um espaço de aquilombamento, ou de quilombismo, se nós quisermos trazer (…) o nosso Abdias. Então, nós temos aí espaços de resistência, de aquilombamento nestas casas e quintais negros espalhados pelo território brasileiro”.
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Giselly Barros, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie:
“Quem tem direito à memória? Quando nós trazemos os aspectos da memória negra, da memória indígena, quem tem direito à memória? A memória, em geral, é para quem tem mais poder, quem tem mais dinheiro, tem mais influência econômica. E a memória é um espaço de disputa. (…) Como dentro da área da Arquitetura, do Urbanismo, e do Paisagismo, nós resgatamos, incorporamos esta memória negra?”.
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Josivan Benegate, mestra pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, diretora criativa do escritório Josi Benegate Lighting Architecture:
“Tenho desenvolvido uma pesquisa no meu doutorado sobre uma identidade cromática brasileira. Se nós formos observar nos países europeus, no Japão (…) de certa forma, eles têm uma identidade cromática. Se formos para a Suécia, para os países nórdicos, eles têm uma tendência a desenhar os objetos com uma cromaticidade mais dessaturada (…) Se houvesse uma paleta cromática brasileira, que paleta cromática seria essa? (…)
Por um longo período de pesquisa, eu me dediquei, obviamente, ao que acontecia na Europa, e curiosamente (…) boa parte das referências da produção estética e cromática de Grécia e Roma é copiada da África, só que eles não contam”.
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Paulo Januário, designer e paisagista; lidera o time de projetos da Semear Paisagismo:
“Os espaços periféricos têm uma escassez de natureza muito grande. Como nós vamos pensar o futuro destes espaços urbanos se nós não resgatamos esta natureza? (…) Quem vão ser essas pessoas que vão ter esta sensibilidade, se não as pessoas que também vão vir destes lugares? Se não são os profissionais negros? Hoje, a minha grande luta, como profissional e líder de uma empresa que vem projetando, é sempre tentar plantar uma sementinha que vai ter um futuro profissional, que vai ter uma autonomia criativa e empreendedora e trazer outros profissionais negros que também estão chegando no mercado, e pensar o território, pensar os espaços, e trazer a natureza para estes lugares”.
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Fábio Velame, professor da FAUFBA, e Doutor em Arquitetura e Urbanismo (UFBA):
“O que é o belo? Na concepção ocidental, é aquilo que dá a fruição estética de determinada produção arquitetônica. (…) E eu pergunto para vocês: aonde está o belo no terreiro de candomblé? (…) No momento em que você tem no barracão o cheiro da comida dos orixás, você tem as folhas sagradas daquele ambiente, você tem a musicalidade dos alabês, quando você tem, ao mesmo tempo, a música e as cantigas para cada orixá, quando você tem os orixás dançando com as suas roupas, tudo aquilo em confluência, tudo aquilo junto cria uma forma de estar no mundo, e cria uma estética que é condicionada pelo fluxo dinâmico do axé que está ali”.
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Ana Barone, arquiteta e urbanista, docente do Departamento de Projeto da FAUUSP:
“Há bastante tempo, desde 2003 (…) o movimento negro vem reforçando a relevância da chamada epistemologia negra, que é o tema desta mesa. Mas por que esta data de 2003? Porque, justamente, é quando foi aprovada a lei 10.639, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história da África e da cultura afro-brasileira no currículo escolar oficial no Brasil. A importância desta lei parece ser crucial, ou seja, ela realmente mudou os parâmetros epistemológicos da produção e disseminação do conhecimento no país, pois está produzindo um deslocamento em termos da natureza, da origem e da validade do conhecimento que circula na rede de ensino nacional (…)”.
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Henrique Cunha, Professor Visitante da UFBA, e Doutor pelo Instituto Politécnico de Lorraine – Nancy – França:
“Como pan-africanista, estou interessado em discutir conhecimento. Nós precisamos discutir a partir do conhecimento africano sediado no Brasil, esta é a ruptura que não foi pensada. Nós precisamos reposicionar o que é a questão do trabalho no Brasil. O trabalho aqui sempre foi pensado numa dicotomia entre pensar e fazer. O trabalho incorpora o conhecimento porque quem faz sabe, é profissional, e todo mundo faz pensando. Há uma necessidade de recompormos esta história, e recompormos (…) pensando que o escravizado é um pensador, é um executor, e ele tem uma formação profissional”.
Assista à palestra de Henrique Cunha: clique aqui
A gravação integral do 1° Seminário Vozes Negras na Arquitetura e Urbanismo está disponível no canal do CAU/SP no portal YouTube (clique aqui)