Oferecer assistência técnica, reformar casas de famílias de baixa renda e, ao mesmo tempo, capacitar profissionais em Arquitetura Social – são esses os objetivos do Adote uma Casa. A iniciativa de professores e estudantes da Universidade de Vila Velha (UVV), no Espírito Santo, surgiu em 2015. Em caráter experimental, já reformou três moradias – a quarta, da dona de casa Jociara de Jesus, está com início da obra marcado para junho.
A ideia do projeto de extensão é prestar assistência técnica para famílias em casas com problemas em três aspectos: acessibilidade, conforto térmico e salubridade. “As moradias que atendemos até agora tinham graves questões nesses três eixos”, conta o professor de Arquitetura e Urbanismo Alexandre Nicolau, que coordena o Adote uma Casa em conjunto com a colega Andreia Fernandes.
Além dos docentes, a equipe fixa do projeto conta seis estudantes bolsistas: quatro de Arquitetura e Urbanismo e dois de Engenharia Civil. Outros 20 alunos atuam indiretamente: a cada semana, um grupo diferente participa de visitas às obras, estudos técnicos, elaboração dos projetos ou do suporte aos moradores.
De acordo com o professor Alexandre Nicolau, a ideia do projeto surgiu a partir de discussões acadêmicas sobre os programas de moradia social no país. “Observamos que a maioria esmagadora das políticas públicas relacionadas a habitação social foca na construção de novas unidades. Pouco ou quase nada se destina a áreas precárias consolidadas. E essas áreas concentram grande parte das populações urbanas e conformam um déficit qualitativo: as pessoas possuem casas, mas sem o mínimo de habitabilidade”.
Nas três moradias já reformadas, além da assistência técnica, o Adote uma Casa conseguiu os materiais e a mão-de-obra por meio de parcerias e doações. “São famílias que realmente não teriam condições”, explica o coordenador do projeto.
NOVO ESCRITÓRIO DO ADOTE UMA CASA
Para 2018, o projeto está investindo em duas novas frentes de trabalho para atender a mais pessoas. Uma delas é a inauguração de um posto avançado no Bairro São José, em uma área pobre de Vitória – Vila Velha e a capital do Espírito Santo são dividias apenas por uma ponte.
No posto avançado, serão atendidas famílias que não dependem do Adote uma Casa para conseguir os materiais e construção e a mão-de-obra. “Queremos sair de uma casa por ano para pelo menos 10”, planeja Alexandre Nicolau.
O escritório vai funcionar em uma sala cedida pela Fundação Beneficente da Praia do Canto, que abriga diversas iniciativas sociais na região. “O espaço já está em reforma e esperamos começar a utilizá-lo em junho. Algumas pessoas da comunidade já nos procuraram e inclusive já iniciamos os atendimentos de forma improvisada”, conta o professor. “Estaremos alguns dias da semana lá, outros no Núcleo de Estudos e Práticas da UVV, que abriga o projeto”.
“Vai funcionar assim: a pessoa vai poder nos ligar e marcar o dia para ir até lá para fazermos um cadastro e marcar a visita à casa. Pessoalmente, avaliaremos o perfil, o comportamento dos moradores e mediremos o imóvel. Em seguida faremos os modelos, o mapa de danos, o estudo das soluções e as plantas. Depois voltamos ao morador e ele vai aprovar ou não. Podemos também ajudar na escolha de materiais, na indicação de mão-de-obra e acompanhar a execução”.
Para ser atendida pelo projeto, a família precisa obedecer aos critérios da Lei de Assistência Técnica (Lei 11.888/2008), como renda total de até três salários mínimos. Além disso, a casa não pode ser alugada e deve estar em uma área definida pelo Plano Diretor Municipal como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS).
“ADOTE UM AMBIENTE”
A outra nova frente de trabalho do Adote uma Casa para 2018 é o “Adote um Ambiente”. “Vamos tentar atrelar cada vez mais arquitetos e engenheiros no projeto. Então no “Adote um Ambiente” convidamos os profissionais para conhecer casas que precisam de reforma. Caso se disponham, escolhem um ambiente e se comprometem a entrega-lo pronto”, explica a professora Andreia Fernandes.
“Na quarta-feira mesmo levamos um grupo de profissionais para conhecer a quarta casa que vamos reformar. Um escritório já havia adotado a parte de paisagismo e humanização. As próprias arquitetas e urbanistas vão conseguir os materiais e a mão-de-obra com os parceiros delas, fazer o projeto e acompanhar a obra”.
Com a divulgação feita pelos arquitetos e urbanistas que participaram da visita nas redes sociais, surgiram mais interessados em apoiar o Adote uma Casa. “Mais de 20 profissionais já entraram em contato após essa divulgação”, comemora o professor Alexandre Nicolau.
MATERIAIS E MÃO-DE-OBRA
O Adote uma Casa funciona por meio de parcerias. A própria Universidade de Vila Velha oferece a estrutura física, o transporte dos estudantes e a assistência dos professores. “Também temos parcerias com o Movimento Vila Velha, conhecido como Movive, e com a Fundação Beneficente da Praia do Canto. É por meio desses ONGs que recebemos doações em dinheiro para o projeto”, explica Alexandre Nicolau.
Os materiais de construção são recebidos de empresas. “Hoje temos cinco parcerias – duas lojas, uma fábrica de tintas, uma de vidros, uma de aço e uma escola de informática que têm cursos de programas de Arquitetura. E estamos em tratativas com outras. É importante destacar que 100% das doações vão para as obras”, destaca a professora Andreia Fernandes.
PARCERIAS COM EMPRESAS
“O apoio da iniciativa é ligado também a ações com os estudantes. Envolvem cursos sobre materiais, palestras, visitas às fábricas e às lojas”, afirma Andreia.
Para a docente, é a parceria com as empresas que está possibilitando o crescimento do Adote uma Casa. “Trabalhar com a parceria da iniciativa privada é o grande passo que o projeto está dando. Queremos trazer profissionais e empresas. Demos muitos telefones, mandamos muitos e-mails. Procuramos e ainda estamos procurando profissionais empresas que trabalham com a questão social”.
A segunda e a terceira reformas concluídas pelo Adote uma Casa foram em grande parte financiadas por um edital de uma empresa fabricante de aço. “Recebemos cerca de 7 mil reais e tivemos à disposição a mão-de-obra de alguns funcionários da empresa. Conseguimos reformar as duas casas com esses recursos”, conta Andreia.
Além de elaborarem o projeto, os estudantes participam da execução, inclusive como mão-de-obra. “Tenho alunos que já lixaram porta, já pintaram parede. Eles realmente participam de todas as etapas”.
PRIMEIRA CASA REFORMADA
A primeira moradia reformada pelo projeto foi a da dona de casa Maria de Lourdes Costa. “Ela vive sozinha em uma casa que não tinha salubridade e conforto nenhum”, conta o coordenador do projeto.
“Fomos até o local, fizemos fotos, entrevistas, medimos. Levantamos as coisas que ela tinha na casa e os materiais que poderiam ser reaproveitados. Ela mora em um espaço muito pequeno. A casa tem ventilação apenas frontal, era também muito escura. Foi autoconstruída. Tinha muito mofo. Ela tinha vários problemas respiratórios agravados por isso. Colhemos todas as informações, sentamos, pensamos em propostas com nossos professores”, relata a estudante Lucilene Buss, ex-estagiária e colaboradora do projeto.
“Criamos algumas aberturas nos cômodos. Pintamos de branco, inclusive, para ajudar na questão do conforto. Fizemos o piso. O banheiro ficava na cozinha e não tinha porta. Tinha muito rato na casa, porque a maior parte do piso era de cimento batido. Reformamos a casa inteira”, relata a estudante.
O orçamento final do projeto foi de R$ 9.459,38. “A casa ficou iluminada, bem ventilada. Mexemos na parte elétrica, hidráulica. Como aluna foi muito gratificante ver como a minha profissão pode mudar a vida de alguém mesmo com poucos recursos”.
SEGUNDA E TERCEIRA CASAS
Mãe e filha que dividem o mesmo lote foram a segunda e terceira casas que receberam assistência do projeto. Carmosina e Juvenil Bispo Xavier precisaram de reformas principalmente no banheiro e na área de serviço. “Na região tem muitos alagamentos por causa do transbordo do rio. E o telhado caía nessa área comum, trazendo ainda mais água pra dentro. Nós invertemos o telhado para a rua. Colocamos uma telha translúcida para iluminar”, relata Alexandre Nicolau. A obra ficou em R$ 7.931,25, também arrecadados com doações.
“Uma das mudanças que as moradoras mais pediram foi no espaço comum entre as casas. Ele não permitia o convívio da família e também não havia privacidade. As crianças entravam pela porta de serviço e a dona Carmosinha reclamava que não tinha privacidade. Arrumamos essa área, criamos um espaço para as crianças brincarem e colocamos o cogobó para dar mais privacidade à avó”, conta o professor Alexandre Nicolau.
Antes do Adote uma Casa, a costureira Juvenil Bispo nunca tinha tido auxílio de profissionais para construir ou reformar. “Ficou muito bom. O telhado ficou ótimo, não molha mais dentro da casa. É muito melhor do que a gente fazer por conta própria, porque os arquitetos são mais experientes, conhecem mais as coisas”.
PRÓXIMA REFORMA
A próxima casa a ser reformada é a da dona de casa Jociara de Jesus, que mora no local com cinco filhos e o marido, que é marceneiro. A obra está prevista em R$ 12.000,00. “A casa também tem vários problemas. Goteiras, vazamentos. A família está dormindo na casa da sogra, inclusive, porque está sem condições”.
CAPACITAÇÃO EM ARQUITETURA SOCIAL
Apesar do caráter social, a finalidade principal do Adote uma Casa é acadêmica – capacitar futuros profissionais para atuar especialmente no campo da Arquitetura Social e humanizar a formação universitária ao mesmo tempo em que presta assistência técnica totalmente gratuita às famílias.
“É importante dizer que os trabalhos que selecionamos têm que ter um viés acadêmico. Todo o mapeamento é baseado em uma metodologia de seleção com esse foco”, destaca o coordenador do projeto.
MERCADO DE HABITAÇÃO SOCIAL
Para a professora Andreia Fernandes, a Arquitetura Social é um mercado com potencial que ainda precisa ser explorado. “Essa área tem crescido muito no Espírito Santo e no Brasil. A questão é a inserção do profissional nesse mercado – é difícil. É imprescindível a participação e a presença dos líderes comunitários e das prefeituras. Muitos arquitetos não se inserem nessa área porque tem medo, não conhecem as áreas, não têm relações com esses locais”.
Na visão dela, o primeiro passo é a comunicação com esses moradores para que eles entendam o trabalho e a importância do arquiteto e urbanista. “Muitos lá na comunidade que a gente estava nem sabem o papel do arquiteto. É preciso falar com essas pessoas. Divulgar”.
EXPERIÊNCIA DOS ESTUDANTES
Andreia Fernandes acredita que os estudantes que passam pelo Adote uma Casa adquirem uma visão muito mais clara e realista da Arquitetura Social. “Alguns não sabiam nem da existência daquele nível de problema. Uma das casas reformadas não tinha nem descarga. Costumo dizer para a minha equipe que eles serão outros profissionais, porque trabalhar com restrição de custos é muito mais difícil. É preciso estudar para propor especificações e modos de construir em função de restrições econômicas e estruturais”.
Para estudante Lucilene Buss, ex-estagiária e colaboradora do projeto, o Adote uma Casa coloca os estudantes a par de outra perspectiva em relação à Arquitetura em geral. “Essa experiência foi muito enriquecedora para mim. No curso, temos contato apenas com Arquitetura contemporânea, com modernidade, com classes sociais mais altas. E esse projeto presta serviço a uma população muito desfavorecida. Ela não tem nenhum acesso a arquitetos e engenheiros”.
A estudante, que se forma em julho, diz que um de seus planos é trabalhar com Arquitetura Social. “Tenho a intenção, depois que me formar, de continuar no projeto como parceira. E quero, no meu escritório, atender também a esse nicho de dar assessoria às pessoas de baixa renda. Ainda não sei como vai ser, mas tenho essa vontade. É um mercado muito amplo e que é muito pouco explorado. Se você parar e planejar você consegue sim atender à população e lucrar com isso”.
CONTATO
O projeto Adote uma Casa funciona no Núcleo de Estudos e Práticas da Universidade de Vila Velha (UVV), na região metropolitana de Vitória, Espírito Santo. O campus fica na Avenida Comissário José Dantas de Melo, nº 21, CEP 29102-920, Bairro Boa Vista.
Assista ao vídeo institucional do projeto:
Para falar com os professores Alexandre Nicolau e Andreia Fernandes, é possível enviar e-mail para nep.uvv@gmail.com ou ligar para (27) 3421-2066. Clique aqui para acessar o site do projeto.
SÉRIE ESPECIAL DE REPORTAGENS
Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.
Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU entrará em contato para produzir uma reportagem especial sobre os projetos.
Publicado em 14/05/2018
Fonte: CAU/BR