A série de audiências públicas da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa proposições para a revisão da legislação de licitações do país teve início com fortes críticas ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) e à modalidade de “contratação integrada”, que permite licitações de obras públicas sem sequer existir um projeto básico.
“Quem ouve os mentores do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) pensa que ele veio para modernizar, racionalizar e agilizar o processo licitatório. Quem o estuda e conhece seus mecanismos percebe que, na verdade, ele propicia a corrupção e a injustiça”.
A afirmação foi feita pelo ex-deputado federal, Luiz Roberto Ponte, na primeira audiência, promovida nessa quarta-feira (08/04/2015). Ele fala com a autoridade de autor do projeto que deu origem à atual Lei Geral de Licitações (8.666/1993).
O RCD e a “contratação integrada” para todas as obras públicas estão previstos no PLS 559/2003, que igualmente trata da revisão da Lei de Licitações, em tramitação final no Senado. Preocupado com essa ampliação do RDC, , “passo a passo”, Ponte lembra que “mesmo com toda a relevância da matéria de que trata, o regime diferenciado foi fruto de conversão em lei de texto colocado artificialmente em uma Medida Provisória após superficial análise, sucinta discussão e sumária apreciação, sob o equivocado e enganador argumento de que era para agilizar as obras da Copa”. Como contraponto, o ex-deputado lembra que a 8.666/1993, antes de aprovada, consumiu “dois anos de debates com toda parcela da sociedade envolvida na busca da eliminação dos processos corruptores que eram utilizados nas contratações governamentais”.
“O RDC, contudo, foi aprovado devido ao convencimento da sociedade e do Congresso, mediante inverídica repetição de que a Lei de Licitações é complexa e provoca o retardamento da execução das obras, quando, rigorosamente, são a falta de projetos corretos e o descumprimento da Lei, que judicializa as licitações, as causas principais dos perniciosos retardamentos nas contrações de obras públicas no País”.
Engenheiro formado pela UFRGS, hoje empresário da construção civil, Luiz Roberto Ponte foi, além de deputado federal, Secretário Estadual de Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul e ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República no governo Sarney.
Para ele, o Congresso não precisa voltar a zero para propor uma nova legislação para a matéria. Bastaria “o aprimoramento de alguns dispositivos para evitar as distorções atuais na sua aplicação, oriundas de lacunas pelos vetos presidenciais, de má interpretação, ou de maus desejos”. Nesse sentido, ele apresentou uma lista com dez sugestões.
Fragilização
Um dos princípios essenciais de uma lei de licitações, lembra Luiz Roberto Ponte, “é a existência prévia de um projeto com o competente orçamento é condição essencial para que a sociedade possa julgar se, pelo valor a ser gasto, o objeto da licitação deve ser a prioridade do governo, e se vai ser pago um preço correto por ele”.
“É um projeto bem feito e bem orçado que produzirá obras de maior qualidade e fará o governo ganhar tempo e gastar menos na sua execução. É o projeto prévio com o devido orçamento que pode definir claramente o objeto da licitação e impedir que a sua contratação seja feita por preços abusivos ou inexequíveis. É o projeto correto que impede os proponentes de apresentar propostas irresponsáveis e intencionalmente com preços abaixo dos custos para vencer a licitação, por saber que depois poderá elevá-los mediante aditivos escusos para suprir as lacunas, as falhas ou a falta do projeto prévio”.
O RDC ignora tudo isso. “A começar pelo Art. 5°, que sinaliza a fragilização da definição do objeto da licitação, ao vedar especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias. Que mal pode fazer uma especificação o mais detalhada possível do objeto licitado? Essa fragilização é para justificar que, mesmo nos casos em que se pode ter orçamento prévio ele é apenas estimado, como está determinado no Art. 6°, e é sigiloso, nunca podendo ser fornecido nem para os concorrentes nem para conhecimento da sociedade a fim de ela saber qual o valor da obra e se ela deve estar entre as corretas prioridades”.
“O mais grave, porém, é a licitação sob o regime de contratação integral, definida no Art. 9°, em que o objeto é, conjuntamente, a elaboração dos projetos básico e executivo, e a execução da obra. A definição do objeto da licitação, constante do Art. 9°, § 2°, inciso I consiste apenas de documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço! Cada proponente realizará um projeto diferente dos outros, sem possibilidade de se fazer comparação dos preços ofertados por critério objetivo e isonômico”.
Luiz Roberto Ponte: “Pode-se imaginar as modificações possíveis no projeto, que serão “acertadas” com o vencedor da licitação para baixar o custo da execução sem baixar o valor do contrato. Isso fica fácil de fazer porque não há parâmetro para comparação com o custo verdadeiro, que se refere a um objeto que, no edital, não estava definido qual era”.
“Assumir a responsabilidade de execução de uma obra nessas condições somente é possível sendo por preços muito elevados para suportar as imensas indefinições e imprevisões, ou sabendo que a “flexibilização possível” será feita, sempre que necessária para assegurar a sua viabilidade econômica. Caso contrário, dar preço para executar uma obra de que se conhecem apenas alguns elementos que permitem a sua caracterização é um desacato ao bom senso”.
Resistência
Segundo Luiz Roberto Ponte, há 21 anos, precisamente em abril de 1991, no 54º Encontro Nacional da Indústria da Construção (ENIC), as empresas e os profissionais da Engenharia que dele participaram, indignados com os processos de direcionamento das licitações que se avolumavam, acobertando e até estimulando a corrupção, a que a legislação vigente à época, o Decreto-Lei 2.300, dava suporte, decidiram agir para “conseguir maior racionalidade, coerência, objetividade e transparência nos procedimentos de licitação, contratação e fiscalização de obras e serviços de construção através de legislação clara e adequada”, conforme está literalmente transcrito na histórica Carta de Belo Horizonte aprovada naquele ENIC, e que ajudou a mudar os rumos da deterioração pelos quais caminhava a Nação”.
Tal ação resultou na Lei 8666, de 1993, promulgada após um amplo debate de dois anos no Congresso Nacional,
Ela foi aprovada após dois anos de intensa e profunda discussão no Congresso Nacional, envolvendo os estudiosos, os conhecedores do assunto e aqueles atingidos pelos despercebidos mecanismos de corrupção ensejados pela legislação anterior, o Decreto Lei 2.300. Só quem conhecia e sofria com esses mecanismos escondidos na lei que permitiam o mal intencionado direcionamento das licitações, indutor de vergonhosa corrupção, tinha as melhores condições de propor a forma eficaz de extingui-los da legislação”, declarou o ex-deputado.
“No início da sua aplicação, a Lei 8666 sofreu grande resistência de prefeitos e dirigentes de órgãos contratantes, não apenas pelo seu desconhecimento, mas pelas trancas que criou contra os mecanismos que facilitavam a escolha quase pessoal e o direcionamento da contratação das obras aos concorrentes preferidos”.
“Até 04/10/2011, data da criação do chamado RDC, com a aprovação da Lei 12.462, foram aprovadas inúmeras modificações na Lei 8. 666, que não chegaram a comprometer muito a sua objetividade, simplicidade de aplicação e o seu fundamental objetivo de garantir a isonomia aos participantes das licitações e a defesa do interesse público”, lembra o ex-deputado. Ele ressalva, porém, que algumas mudanças criaram “gincanas e exigências desnecessárias que facilitaram as possibilidades de burla à sua aplicação dispensando a licitação para vários setores, organismos ou atividades, muitas vezes contrariando a salutar transparência dos atos públicos”.
Segundo Luiz Roberto Ponte, “diferentemente da Lei 8.666, o RDC foi aprovado sem a contribuição e participação dos estudiosos, dos entendidos na matéria e, principalmente, das entidades que mais conhecem os sorrateiros mecanismos utilizados por aqueles que desejam poder conduzir as licitações para seus amigos, e, assim, direcionar os contratos conforme a sua vontade pessoal”.
“Por isso ele pôde impor profundas e ruinosas mutilações em vários princípios essenciais da Lei de Licitações, reintroduzindo e ampliando mecanismos que permitiam o direcionamento espúrio das licitações. “Sabemos que, lamentavelmente, mesmo após a Lei 8.666 ainda perdura o uso de mecanismos espúrios nas licitações, mas somente quando ela não é cumprida com rigor. Fazê-la ser cumprida, eis a luta a ser travada pelos que buscam realmente uma lei de licitações que previna a corrupção e proteja o interesse público”, concluiu Luiz Roberto Ponte.
A Comissão Especial é presidida pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS) e tem como relator o deputado Mario Heringer (PDT-MG). Os subrelatores são os deputados Luiz Carlos Busato (PTB-RS) e Omar Serreglio (PMDB-PR). O CAU/BR participa das audiências, tendo sido convidado inclusive para fazer a principal apresentação em algumas delas.
Fonte: CAU/BR.
Publicado em 10/04/2015