“Eles são anjos que vieram para nos ajudar”. É assim que a catadora de materiais recicláveis, Rucélia Mello, define a equipe do Coletivo Trena. Formado por 11 arquitetos e urbanistas, dois advogados, dois engenheiros e uma publicitária, o grupo de voluntários em Arquitetura Social está reurbanizando a área da chamada Sociedade Barracão, uma comunidade do Boqueirão, bairro que fica na região sul de Curitiba.
Hoje, 12 famílias de catadores de material reciclável moram no terreno de 1.443 m², onde funcionava uma antiga fábrica de máquinas e de peças industriais, que foi à falência na década de 1990.
O projeto de reurbanização da área, feito pelo Coletivo Trena com a participação dos moradores, já criou uma rua interna e demarcou 12 lotes, um para cada família. “Ainda é começo de trabalho, mas o loteamento já está tomando forma de conjunto residencial”, diz a arquiteta e urbanista Thaise Andrade. Também está previsto o calçamento do entorno em concreto vazado e a plantação de árvores frutíferas. O grupo produziu um vídeo para promover o trabalho:
Outra conquista que já faz diferença na vida das famílias foi a ligação de água encanada para cada lote realizada pela Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). Aliás, foi assim que o Coletivo Trena conheceu a Sociedade Barracão. “Outras organizações, como a Terra de Direitos, já atuavam na comunidade e questões técnicas estavam impedindo a instalação de água encanada para as famílias. Como essas organizações não tinham conhecimento específico sobre urbanismo, nós fomos procurados para ajudar e conseguimos uma solução”, lembra Thaise. “O próximo passo é convencer a Companhia Paranaense de Energia (Copel) a ligar a luz para cada família”, completa.
Falta de materiais e de dinheiro para reurbanização
Um mutirão para reurbanizar a área da Sociedade Barracão foi planejado para o feriadão do próximo 1º de maio, logo no Dia do Trabalho. A mão de obra será dos próprios moradores, de parceiros do projeto e dos profissionais do Coletivo Trena. Só que faltam muitos materiais e, principalmente, dinheiro.
A engenheira civil Janaina Keroline Ercole explica que ideia é aplicar um colchão de areia para executar a pavimentação do terreno. “Precisamos de doações de areia, pedra brita e até mesmo de carrinho de mão”, pede.
A equipe apostou no financiamento coletivo para viabilizar o projeto de reurbanização da Sociedade Barracão. A meta da campanha era juntar R$ 30 mil, mas o grupo conseguiu pouco mais de R$ 2 mil. “O dinheiro seria essencial para a aquisição dos materiais e do gasto com o maquinário para a obra, mas como não tivemos sucesso com a arrecadação, estamos solicitando doações”, justifica Janaina. De acordo com ela, um dos materiais mais caros é o concreto vazado. “Nossa intenção é plantar grama na parte vazada desse concreto, o que seria ideal para a permeabilidade do terreno”, explica.
A área da fábrica falida foi ocupada em 1999 e só 14 anos depois a comunidade recebeu parecer favorável na ação de usucapião. Em 2013, o Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu o direito à moradia por usucapião coletivo em imóvel de massa falida, confirmando a decisão da 6ª Vara de Curitiba. Foi a primeira sentença de usucapião coletivo no estado, concedendo direito à moradia para várias pessoas, não apenas a uma. Os donos da antiga fábrica apelaram em diferentes instâncias e, por causa dos recursos que aguardam decisão em Brasília, a regularização da terra ainda não foi averbada em cartório.
“A gente acredita que vai dar tudo certo e a Sociedade Barracão poderá ser a primeira área de usucapião coletivo reurbanizada do Brasil. Será um marco extremamente relevante para o país”, espera a arquiteta e urbanista Thaise Andrade.
Assistência técnica gratuita às famílias
O Coletivo Trena também presta assistência técnica gratuita às famílias da comunidade, com projetos para construção e reforma das casas que estão previstas para os 12 lotes. Cada residência está sendo desenvolvida por um arquiteto da equipe. Por isso, as casas não serão todas iguais, sendo erguidas ou adequadas para diferentes necessidades.
“Não tenho palavras para expressar a minha felicidade por morar em uma casa nova e em um lugar mais bonito”, diz a catadora de materiais recicláveis, Rucélia Mello. Com 49 anos e mãe de seis filhos, ela teve a orientação e o projeto da arquiteta e urbanista Thaise Andrade para construir a nova casa. “A Rucélia tinha um sobrado misto, de alvenaria e de madeira, todo encharcado, com um banheiro insalubre, com piso improvisado por tábuas que davam a impressão de que a gente iria cair a qualquer momento. Ela derrubou a casa velha e construiu uma nova: toda rebocada, com azulejo, piso cerâmico, forrada, ou seja, é outra coisa. É dignidade para a família dela”, comemora Thaise.
Conforme as intervenções do Coletivo Trena vão tomando forma, o grupo ganha a confiança dos moradores. Os catadores já concordaram que será necessário buscar outro local para armazenar os materiais recicláveis e não mais no barracão que está improvisado no terreno. “Queremos mostrar para a sociedade que também somos capazes de morar em um conjunto residencial bonito. Não nos falta vontade e o apoio do Coletivo Trena está sendo fundamental para isso”, afirma o catador de material reciclável e um dos líderes da comunidade, João Luiz Lemes de Oliveira.
Em 2018, a Lei da Assistência Técnica completa dez anos de vigência. A Lei Federal 11.888/2008 garante assistência técnica pública e gratuita de arquitetos e urbanistas e engenheiros para projeto, reforma e construção de habitação de interesse social. “Infelizmente, a lei existe e não é cumprida. O que estamos fazendo com a Sociedade Barracão é provar que a lei pode e deve funcionar. Estamos tirando isso do papel e colocando em prática. É a realização de um sonho muito especial, um sonho coletivo”, finaliza Thaise.
Campanha “Doe um chão”
Para realizar o mutirão de reurbanização da Sociedade Barracão programado para 1º de maio, o Coletivo Trena lançou a campanha “Doe um Chão”. A intenção é arrecadar materiais para a pavimentação do conjunto residencial. O Coletivo Trena firmou parceria com uma empresa fornecedora, que está vendendo o metro quadrado desses materiais por apenas R$ 26 para o grupo.
Série especial de reportagens
Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.
Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações.
Se sua história for selecionada, o CAU/BR e os CAU/UF entrarão em contato para produzir reportagens especiais sobre os projetos.
Fonte: CAU/BR
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Publicado em 13/04/2018
Da Redação