CAU/SP

ARQUITETURA, URBANISMO E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL PAULISTA – IPIRANGA

Fonte: PMSP- Secretaria Municipal de Cultura – Departamento do Patrimônio Histórico – Núcleo de Identificação e Tombamento – Ilustração produzida 2019.

Recentemente encontrei um artigo que resumo aqui, publicado em 2005, quando havia uma coluna muito interessante no Diário Oficial da Cidade que tratava de temas caros aos moradores e usuários da cidade, e chamava-se “Ladeira da Memória”. Neste caso, o assunto é “Ipiranga: berço da Independência do Brasil”.

Por sua proximidade com o Caminho do Mar, o Ipiranga foi por séculos um local de passagem, com fazendas, chácaras, áreas de pouso e de poucos moradores. O bairro surgiu a partir de duas grandes glebas: Chácara do Ipiranga e Colina do Ipiranga. Um ano após a Independência, D. Pedro I concedeu licença para a construção de um monumento: o Monumento do Ipiranga, posteriormente denominado Museu do Estado, e hoje, Museu Paulista.

A Colina do Ipiranga atraiu investimentos do poder público após doações de grandes lotes para a criação de institutos assistenciais e de ensino. A instalação dos bondes da Light em 1902 promoveu mais desenvolvimento e implantação de arruamentos, instalação de indústrias e comércio.

O riacho do Ipiranga foi canalizado, e a abertura da avenida D. Pedro I, na antiga Chácara do Ipiranga, conferiu uma perspectiva monumental ao conjunto do museu, jardins, fontes ornamentais, o Monumento à Independência e Capela Imperial.

Em 1930 e 1940 imigrantes sírios e libaneses chegaram para morar e investir na indústria e comércio, sendo os palacetes das ruas Bom Pastor e Costa Aguiar tombados pelo Conselho Municipal de Preservação, os quais traduzem a trajetória de algumas famílias. A Avenida Nazaré é um retrato vivo da história do bairro, com instituições assistenciais, religiosas, escolas e universidades instalados em edifícios do final do século XIX.

Como arquiteta e funcionária há 38 anos da Prefeitura do Município de São Paulo, tenho saudades de tais textos produzidos pelo Departamento do Patrimônio Histórico no DOC, e com relação ao bairro do Ipiranga, verifico que houve uma série de políticas públicas por décadas que fomentaram o desenvolvimento urbano qualificado.

 

EIXO HISTÓRICO URBANÍSTICO DO IPIRANGA

Entre as diversas atividades cotidianas, como arquiteta e urbanista da prefeitura, recebi um desafio que descrevo em detalhes.

Desde 1972, o Parque da Independência foi protegido pelo município como zona de uso especial, antiga Z8-200 no Plano Diretor, tombado pelo CONDEPHAAT-Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo em 1975, tombado pelo Município em 1991, CONPRESP- Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, e em 1995 tombado pelo IPHAN – Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional,  sendo portanto, patrimônio cultural das três esferas de governo.

O conjunto que engloba o Museu Paulista, a Casa do Grito, o Monumento à Independência, a Capela Imperial, os Jardins Franceses, alamedas e demais áreas verdes manteve uma área envoltória de 300m estabelecido pelo CONDEPHAAT.

Chegamos ao desafio! O Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura realizou, então, estudos específicos para o entorno do Parque da Independência, área extensa que requeria pesquisa.

A ferramenta utilizada para identificar o que forma o repertório básico do patrimônio cultural e ambiental do bairro –configurações urbanas, espaços públicos, edifícios e vegetação expressiva– foi o IGEPAC – Inventário Geral do Patrimônio Ambiental e Cultural Urbano, trabalho sistemático desenvolvido pelo DPH desde 1985, ano que iniciei minhas atividades no DPH.

Inicialmente, consideramos como prioridade dos IGEPACs o estudo de todos os bairros históricos da cidade, uma atividade sistemática até a atualidade no Departamento.

O método de trabalho do IGEPAC consiste em: 1- pesquisa interna sobre os bairros, origem, configuração inicial, expansões, transformações, características socioeconômicas; legislações incidentes na área; edificações e tecido urbano; perspectivas de transformação; 2 – trabalho de campo onde são examinados no sítio de pesquisa: aspectos geográficos e morfológicos; referências visuais dos logradouros; usos, estado de conservação e tipologias das edificações.

A coleta destes dados forma um acervo que passa a constituir cadastro fotográfico, fichas e mapeamento que podem ser utilizados na definição de critérios técnicos de preservação.

Fonte: Núcleo de Identificação e Tombamento – Ilustração produzida 2019 mapa resumo do Inventário Geral do Patrimônio Cultural de São Paulo produzido pelo DPH. Base: Planta Gomes Cardim 1897.

Visando a reconhecer a dinâmica do bairro do Ipiranga e preservando as referências ambientais e visuais, optamos pela criação de um perímetro com raio de proteção de 300m estabelecidos pelo CONDEPHAAT em 1975 e a área tombada do IPHAN de 1995, sobrepondo a estes, todas as áreas envoltórias dos 21 bens tombados pelo município, no Eixo Histórico Urbanístico durante o período de 1991 à 2007.

O Eixo é formado pelo Parque da Independência, Avenida Dom Pedro I e Avenida Nazaré devido a extraordinária qualidade ambiental e paisagística.  Como referência urbana, integra o Parque da Independência às instituições assistenciais e de ensino, aos bens isolados e conjuntos urbanos tombados nos arredores.  O aprimoramento dos conceitos de visibilidade, visualidade, ambiência, volumetria, integração espacial resultou na proteção da área verde, do solo permeável, da densa massa arbórea e dos logradouros que envolvem os 21 bens tombados.

A repercussão da proteção deste território em 2007 alcançou a mídia, foi amplamente divulgado e levado à 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, 2007, manifestando o grande interesse da população. O assunto reverberou positivamente na imprensa, sendo matéria de capa da Revista da Folha de 20/05/2007 entre outros jornais.

 

SEGUNDA FASE

Quando o objetivo de preservar a ambiência foi alcançado, o DPH é chamado em 2013 para participar dos estudos iniciais da Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí. Resgatamos o inventário de 1992-1994 e atualizamos o IGEPAC – Ipiranga em 2014, assim o CONPRESP tomba mais 15 bens isolados ou conjuntos urbanos em 2018, concluindo, em tempo, antes da renovação urbana imposta, o ciclo de preservação do bairro do Ipiranga iniciado em 1975.

Fonte: Núcleo de Identificação e Tombamento – Foto realizada para IGEPAC complementar – Ipiranga em 2014.

A proteção urbana nesta escala mantém o ambiente em permanente diálogo com seu cotidiano, evitando o risco de perda da identidade e referências históricas, consequências inevitáveis das generalizações estabelecidas no Plano Diretor atual, com incentivo unicamente à verticalização.

 

Bibliografia/fontes:

Ladeira da Memória Ipiranga: berço da Independência do Brasil – Ana Winther e Helenice Diamante Diário Oficial da Cidade de São Paulo. 2. set. 2005, Ano 50, n.167, p. III. Coluna produzida pela equipe técnica do DPH.

Processo nº1991-0.005.014-8 – Resolução 05/conpresp/91 de 05 de abril de 1991, – Tombamento ex-offício – Parque da Independência pelo Conpresp, do Parque da Independência e da Coleção Arquivística do Museu Paulista da USP e Coleção Arqueológica, Etnográfica e Histórica do Museu Paulista da USP;

IGEPAC – IPIRANGA 1992 a 1994 – Inventário Geral do Patrimônio Cultural de São Paulo produzido pelo DPH na Divisão de Preservação, identifica o que forma o repertório básico do patrimônio cultural e ambiental de cada bairro, configurações urbanas, espaços públicos, edifícios e vegetação expressiva.

IGEPAC – IPIRANGA complementar atualizado em 2014 para a OUC – Mooca Vila Carioca que passou a ser denominada Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí.

Processo nº 16-003.099-91-65 – Resolução 10/conpresp/94 de 18 de agosto de 1994. – Tombamento da Capela do Bom Jesus do Horto, localizada na rua Bom Pastor, 434;

Processo nº 1991-0.005.386-6Resolução 05/conpresp/05 de 28 de junho 2005, Tombamento do conjunto de seis edificações, remanescentes de antigas moradias da Família Jafet, localizadas no bairro do Ipiranga;

Processo nº 1992-0.007.359-0 e processo nº 2007-0.005.608-0 – Resolução 06/conpresp/07 de 08 de maio de 2007 – Tombamento do conjunto dos 12 (doze) imóveis remanescentes dos antigos Institutos Assistenciais e de Ensino, situados no bairro e Prefeitura Regional do Ipiranga;

Processo nº 2006- 0.310.954-0Resolução 11/conpresp/07 de 26 de junho de 2007, Regulamentação da Área Envoltória de Proteção do conjunto de bens tombados constituído pelo Parque da Independência, e pelas Antigas Residências da Família Jafet e Instituições Assistenciais e de Ensino, situado no Bairro do Ipiranga, Subprefeitura do Ipiranga;

Processo nº 2015- 0.293.943-2Resolução 14/conpresp/18 de 26 de fevereiro de 2018, Tombamento de um conjunto de edificações do bairro do Ipiranga;

Processo de Tombamento do Parque da Independência Condephaat e Resolução de 02/04/75;

IPHAN – Tombamento do Conjunto do Ipiranga: Museu Paulista, Monumento à Independência, Casa do Grito e Parque da Independência.

 

Autora: Ana Lucia FMS Bragança Winther, Graduada e Pós-Graduada , FAUUSP, com Especialização na GV em Administração Pública, exerce na Prefeitura Municipal de São Paulo como arquiteta efetiva há 38 anos, atividades relacionadas à identificação, proteção e análise de Bens Culturais em suas diversas escalas. Selecionou o tema Ipiranga como um exemplo das diversas fases de estudos antes de se promover a proteção de um território tão significativo. O bicentenário da Independência nos faz refletir sobre o papel do Gestor público e sua capacidade em propor transformações e ao mesmo tempo preservar as diversas camadas do tempo em sua materialidade.

 

Revista Móbile – edição nº 25 – Abril de 2023 – Conteúdo Digital